Vivemos em um momento histórico importante. Nunca a vida foi tão compartilhada e ao mesmo tempo tida como tão particular. Nas redes sociais são expostas as mais diversas facetas da vida, existem, inclusive, pessoas cuja rotina diária é exposta e detalhada como uma novela nos seus diversos capítulos. Paralelamente a este excesso de exposição, cresce a ideia de que os espaços não podem ser invadidos e a cada momento as pessoas limitam até onde se pode entrar, ou seja, o particular é quase sagrado. Parece paradoxal, mas é exatamente como vivemos, ou pelo menos uma parcela significativa da população no recorte metropolitano urbano. Duas expressões marcam este tempo: “Isto não é problema meu / Isto é problema seu” e “Isto é problema meu/ Isto não é problema seu”. Estas expressões são significativamente marcadas pela ideia de individualidade e pelo individualismo. A ideia de ser único, especial, diferente de todos e ao mesmo tempo achar que o mundo gira em torno de si e de seus projetos pessoais frequentemente limita o espaço do outro, ou melhor, reduz o significado do outro na minha própria existência.
Pensando nisso, queria propor a leitura da Interessante narrativa bíblica apresentada no livro de Genesis , no capítulo 4, versos 1 a 11. Logo após a criação do homem e da mulher, aparecem na história seus primeiros descendentes: Caim e Abel. O primeiro é dedicado às coisas do campo e o segundo ao cuidado das ovelhas. Ambos decidem apresentar algo diante do Criador que simbolizasse de alguma forma suas vidas. Abel traz as partes gordas das primeiras crias e Caim o fruto da terra. Como Deus não se impressiona com a beleza das coisas que as mãos lhe apresentam, mas tem a prerrogativa de enxergar as motivações por detrás delas, decidiu aceitar com alegria a oferta de Abel e rejeitar a de Caim.
Para mim, a grande questão desta narrativa reside na forma como Caim lida com a contrariedade. O verso 6 e 7 nos dá uma dica de sua reação:
“O Senhor disse a Caim: “Por que você está furioso? Por que se transtornou o seu rosto? Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo”.
A fúria e o rosto transtornado revelam o coração de alguém com dificuldades de lidar com a situação. Deus vai mais longe dizendo que estas emoções revelam o pecado batendo a porta, o qual, uma vez dentro, torna-se morador cativo. Que exortação! Que conselho! Que palavra confrontadora!
Caim poderia ter acolhido estas palavras no coração e seguido num processo de restauração, mas ao contrário, com muita dificuldade de lidar com a contrariedade e com seus desdobramentos(a ideia de não ser o centro, de não ser o melhor, de não merecer os elogios, de se sentir injustiçado, a inveja, etc), decide por armar uma emboscada para o irmão, levando-o no campo para então matá-lo. Interessante ressaltar que quem não recebeu a oferta de Caim foi Deus,o Criador, mas contrariado ele resolve matar o irmão.
O que acontece depois expressa o paradigma do individualismo. Deus procura Caim e lhe pergunta: “Onde está o teu irmão?”. A resposta é firme e contundente: “Não sei. Acaso sou eu responsável pelo meu irmão?”. É como Caim tivesse dito: “Deveria eu estar preocupado se meu irmão está vivo ou morto? O fato dele estar morto ou vivo deveria me afetar? Isto não é problema meu! Isto é problema dele!”. Na perspectiva de Caim a resposta da pergunta de Deus é não. Na perspectiva de Deus a resposta é sim.
Infelizmente é comum encontrarmos pessoas com a síndrome de Caim. Pessoas que ao serem impregnadas com a cultura do individualismo, relativismo e narcisismo não se acham responsáveis pelos seus irmãos. Tais pessoas não estão sensíveis ao fato de eles estarem vivos ou mortos. Seus olhos estão voltados unicamente para si próprios. Este é um lado sombrio da Síndrome de Caim, porém não é o único. Existe um lado ainda mais sombrio, que revela um coração cujo pecado já bateu a porta e recebeu acolhimento.
Infelizmente também não é raro encontrarmos pessoas que absolutamente incomodadas com o sucesso do outro; com a beleza do outro; com a desenvoltura do outro; com a simpatia do outro; com a facilidade de fazer amigos do outro; com a generosidade de outro; com a alegria do outro, elabora seus planos de morte. Se por um lado a Síndrome de Caim faz com que a pessoa não se sinta responsável pelo outro, do outro lado pode fazer da pessoa o próprio assassino. Não me refiro a morte física, ainda ela também seja possível, mas neste caso me refiro a morte existencial. Por vezes riscamos pessoas de nossa vida, matando-as com nossa indiferença, com nossos comentários pejorativos, com nosso jeito articulado de tirá-las de nossos grupos, com nosso talento de fazer as pessoas verem somente o nosso lado conveniente da história. Incapazes de lidarmos com o outro e contrariados, fazemos com que pessoas vivas sejam tidas como mortas por nós. Simplesmente fazemos opção de enterra-las e seguimos a vida, sem que isto de fato importe.
A grande questão é que Deus continua perguntando: Onde está o seu irmão? O que foi que você fez? Escute! Da terra o sangue do seu irmão está clamando!
A Síndrome de Caim é uma patologia da alma que revela um lado obscuro, insensível, egoísta, individualista e imaturo de viver. Deixa eu te fazer uma pergunta para reflexão: Analisando sua própria vida, você percebe sinais da Síndrome de Caim?
Hoje minha intenção foi mostrar brevemente o problema da Síndrome de Caim. A patologia da alma que nos faz insensíveis aos nossos irmãos. Fica agora uma pergunta: Quem é esse irmão? Sobre isso falaremos na próxima oportunidade.
Um abraço
Sobre o autor
Sergio Mota
Pastor
Casado com Nara e pai da Vitória. Formado em Administração de Empresas, Teologia e graduando em Psicologia. Pastor da Primeira Igreja Batista em Parque União.