“Sem-igreja” é o epíteto impingido ao cristão que, após ter pertencido a uma igreja evangélica, considera-se cristão em atividade, mesmo sem, atualmente, pertencer a qualquer igreja, por opção. Nelson Bomilcar enumera diversas categorias de cristãos “sem-igreja”, desde aqueles que não vão mais a qualquer igreja e não tem mais vínculos formais até aqueles que ainda pertencem ao rol de membros, mas participam apenas de eventos esporádicos ou optam por desenvolver relacionamentos superficiais e ocasionais.
Inequivocamente, os sem-igreja são fruto da ideologia de seu tempo: o Pós-modernismo. A busca pela satisfação pessoal hedonística, característica epocal, alavancada pelo humanismo exacerbado, no qual o arbítrio egocêntrico é o juiz máximo determinador da sentença, impele o homem a fazer somente o que lhe dê prazer. Evidentemente, qualquer forma de confronto a este, soará indesejável. Ademais, o relativismo, dinamitador da absolutização da verdade e da homogeneização hermenêutica, forma novos “senhores da verdade” em série, que fazem de suas opiniões, axiomas, e de suas interpretações aleatórias, dogmas irrefutáveis, proliferando uma geração de ignorantes inconscientes com ares de pseudointelectualidade. É o império pós-moderno da “Geração Eu-me-acho”.
Os abusos diversos sofridos pelos sem igreja também ocasionam sua refração à instituição. A venda de patuás evangélicos midiáticos causa ojeriza ao cristão com o mínimo bom-senso. A proliferação do discurso da graça barata com as infindáveis ofertas de venda de bênçãos é lastimável. A imprecação de maldições televisivas aos “desobedientes” questionadores reflexivos através de um sim-sim-salabim gospel é acintosa. A manipulação mágico-esotérica de palavras e jargões promitentes do paraíso terrestre através de um “abre-te sésamo” concedida aos doadores de indulgências contemporâneas soaria risível se não fosse trágica. Só temos a lamentar. É um regresso ao misticismo irracional medieval através de novas cruzadas, só que, estas, midiáticas, e, novamente, em nome de Deus. Todos estes abusos espirituais, mercadológicos, sociais e teológicos feriram a muitos.
Causas não representam razões, mas suscitam reflexões.
Não existe cavaleiro solitário no reino de Deus. Viver isolado é andar na contramão do instinto gregário implantado por Deus no ser humano. Defendendo a importância e relevância da vida comunitária na igreja, Israel Belo de Azevedo ressalta: “Cristianismo não rima com eu-mismo… Experimente ser um cristão solitário e você vai fracassar”. Refletindo sobre o assunto, o teólogo Augustus Nicodemus questiona: “Parece que a revolta deles não é somente contra a institucionalização da igreja, mas contra qualquer coisa que imponha limites ou restrições a sua maneira de pensar e agir para poderem ser cristãos do jeito que entenderem, acreditarem no que quiserem, sendo livres-pensadores sem conclusões ou convicções definidas, fazendo o que sentem vontade, a fim de experimentarem de tudo na vida sem receio de penalidades e correções”.
Vale lembrar: buscar a solitude – período de isolamento voluntário para reflexão – é permitido, benéfico e indicado; buscar a solidão é egoísmo (Pv 18.1). A. W. Tozer nos lembra o desejo do genuíno cristão, citando Pedro depois do cárcere: “Uma vez solto, procurava os irmãos” (At 4.23). Busque a Deus. Busque aos irmãos. Ainda há muita gente séria.
Sobre o autor
Pr. Henrique Araujo
Deão do Seminário Teológico Betel
Pastor Henrique Araujo casado com Sarah Araujo, é Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Betel, Mestre em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Mestre em Ministérios Globais pelo Seminário Teológico Betel, Bacharel e Licenciado em Letras: Português-Grego pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, PhD em Teologia pelo Trinity Theological Seminary and College of the Bible. É professor da graduação e pós-graduação, e Deão do Seminário Teológico Betel, e do Centro de Formação Teológica Metodista.