Deus sabe do que precisamos antes mesmo que lho peçamos. Os cabelos de nossa cabeça estão todos contados (Mt 10.30). Sem que haja uma palavra em nossa língua, Ele tudo conhece (Sl 139.4). Se assim ocorre, por que orar? Ele já não conhece todas as coisas? Sua onisciência não está entre Seus atributos mais propalados e conhecidos?
A questão é momentosa e foi trazida novamente em debate, no Brasil, com a chegada da Teologia Aberta (Open Theism). Advogando que o Cristianismo clássico é fruto uma longa helenização, seus proponentes elevam o amor como atributo Divino principal, sobreposto aos demais, pelo qual Deus rege Seu relacionamento com Suas criaturas. Para que as mesmas sejam plenamente livres, o Altíssimo não conhece o futuro delas de antemão.
Como ficaria, então, Sua onisciência? Nesta proposta, a onisciência é reconceituada como “conhecimento de tudo o que existe”. Passado existiu e presente existe, mas como o futuro ainda não é, Deus não o conheceria. “E as profecias”? Seus teólogos defendem que o Pai as leva a cabo por Sua vontade. Deus não inspira os profetas a falar do futuro por conhecê-lo detalhadamente, mas inspira-os a profetizar de algo que Ele fará acontecer, ou seja, congruirá as condições necessárias para levar Sua vontade a cabo. A oração entra no mesmo pacote das filigranas teológicas supracitadas. Para que ela seja perfeitamente livre, Deus não a conhece antes de ser efetuada. Assim sendo, para teístas abertos, orar é necessário, porque Deus não sabe o que lhe pediremos ou o que acontecerá.
Era de se esperar que teólogos brasileiros, ao aportar, no final de 2004, esta teologia, em solo nacional, levantassem suas vozes com questionamentos. Afinal, durante longos dois milênios, a Igreja Cristã preconiza a importância de cada crente levar uma piedosa vida de oração ainda que pareça paradoxal ao fato de Deus conhecer todas as coisas antes mesmo que lho peçamos.
Ler os clássicos sempre vale a pena, principalmente em tempos controversos. Severino Boécio, filósofo-teólogo do sexto século, condenado à morte, na prisão, escreveu Da Consolação da Filosofia. Nesta obra, a senhora Filosofia, figurativamente, vinha consolá-lo por estar preso injustamente. O capítulo quinto, A onisciência providente de Deus e a liberdade da vontade humana são compatíveis, já seria suficiente para dirimir a celeuma provocada pela nova turba de teólogos.
Deus sabe do que precisamos, antes de lho pedirmos. Mas ordenou-nos orar (Mt 6.6, 7.7-8; Mc 11.24; Je 33.3; 1Ts 5.17). Deus não precisa que oremos, mas nós precisamos orar. Quando oramos o nosso espírito fica mais em sintonia com o Espírito de Deus (1Co 14.14), nos tornamos mais sensíveis ao Pai. Quer ter um dia irritadiço? Passe-o sem orar. Lembrando Russel Shedd: “Como crianças gostam de brincar e jovens de jogar bola, avivados gostam de orar”. Oramos porque Deus mandou. Oramos porque precisamos. Oramos porque tornamo-nos mais sensíveis às coisas de Deus. Oramos porque queremos nos tornar mais íntimos do Pai.Oramos porque, assim confessamos, na prática, que dependemos dEle. Apliquemos figurativamente o conselho de Moisés neste mister: “Não mudes os marcos antigos…” (Dt 19.14).
Deus conhece tudo: é verdade. Nós precisamos orar: é verdade; Ele ordenou. Se assim o é – e o é assim – que tal aproveitarmos este dia para reservarmo-nos a Ele em uma hora de oração?
Sobre o autor
Pr. Henrique Araujo
Deão do Seminário Teológico Betel
Pastor Henrique Araujo casado com Sarah Araujo, é Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Betel, Mestre em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Mestre em Ministérios Globais pelo Seminário Teológico Betel, Bacharel e Licenciado em Letras: Português-Grego pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, PhD em Teologia pelo Trinity Theological Seminary and College of the Bible. É professor da graduação e pós-graduação, e Deão do Seminário Teológico Betel, e do Centro de Formação Teológica Metodista.